2 de julho de 2012

Do pastoreio, disciplina, amor.

“Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia.” Hb 10:25

“E já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, E não desmaies quando por ele fores repreendido;Porque o Senhor corrige o que ama, E açoita a qualquer que recebe por filho.Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija?Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos. (...)Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela.” Hb 12:5-8,10-11

70 dias. E nestes 70 dias eu pude discernir de uma forma que eu nunca havia discernido o que significa o cuidado de Deus, expresso através dos vínculos que consolidamos no corpo de Cristo. Eu me converti já tendo clareza de alguns princípios elementares que diferenciam claramente o Reino de Deus e a prática religiosa, como o desenvolvimento da vida da Igreja nas casas, o ministério das juntas e ligamentos, andar na luz, o senhorio de Cristo. Eu, assim pensava, tinha sido abençoado, pois nunca frequentara um meio religioso. E achava que estava livre, não de pecar, pois sei que todos são passíveis de erro, mas livre de um comportamento religioso diante de Jesus e dos meus irmãos. Eu já havia experimentado o cuidado de Deus, visto claramente os Seus livramentos na minha vida, o Seu amor demonstrado em grandes e pequenas coisas. Sempre fui muito amado por Sua Igreja. Congreguei em algumas localidades, e em todas, a despeito das diferenças de usos e costumes, pude testificar o amor de Deus através de cada irmão. Fui servido, muitas vezes de forma a me constranger, e pude também experimentar o privilégio de servir. Deus me deu uma esposa sábia, fiel, a mim e a Ele, companheira, amiga, e um casamento que, desde os primeiros meses, se mostrou pronto a resistir às diversas investidas do diabo. Minha casa sempre esteve aberta, e eu posso dizer, com o coração grato, que nunca tive qualquer dúvida do amor do Senhor pela minha vida.

Fiz toda esta introdução para contar a experiência que vivi nos últimos 70 dias. Neste período, passei por um processo de disciplina (ou tratamento, como diz meu discipulador), após ter confessado, à minha esposa e às autoridades delegadas por Deus sobre a minha vida, o envolvimento com empréstimos bancários decorrentes de uma vida financeira desordenada, comprometendo mais de um terço da minha renda, além de ter mentido sobre isso para minha esposa, meus irmãos e minha família, agindo com dolo inclusive no recolhimento de provisão e ofertas. Durante estes 70 dias fiquei afastado do diaconato, exercido desde final de 2010, com as minhas despesas totalmente sujeitas à autoridade da Igreja e ouvindo mais que falando nos momentos de comunhão.

Todas as vezes que abordamos o tema DISCIPLINA na Igreja, vemos os mais diversos tipos de reação. Desde aqueles que são duros, e acham que toda falta deve ser rigorosamente disciplinada, até aqueles que são complacentes e acham que a disciplina é algo muito pesado, que é falta de misericórdia, ou de amor. Eu aprendi, vivendo, a compreender a disciplina na Igreja hoje.

Esse entendimento passa pela revelação clara do discipulado. Vou até mesmo tomar a liberdade de me referir a este relacionamento com outro nome: vou chamá-lo pastoreio. Um discipulador é, essencialmente, um pastor. A relação de discipulado é um pastoreio. É amor, zelo, cuidado. É procurar, dentro dos limites estabelecidos pelo Senhor, resgatar e cuidar da ovelha que se fere. É animar e ordenar a ovelha que está sadia. É ensinar a ovelha a pastorear outras ovelhas. É ser, fundamentalmente, uma ovelha. Quando eu consegui perceber o engano onde eu havia me metido, entre gastos excessivos e mentiras, ainda durante um tempo eu resisti à ordem clara do Espírito Santo para que eu me arrependesse e confessasse os meus pecados. Todo tipo de sofisma eu fui capaz de erguer. Verdadeiras fortalezas, como Paulo diz na segunda carta aos Coríntios. Eu estava no meio da Igreja, dizia ser Igreja, mas meus pensamentos eram livres, eram meus, quando deveriam ser cativos à obediência de Cristo (2 Co 10:4-5). Até que chegou o dia em que eu me rendi verdadeiramente à Palavra do Senhor. E garanto, a cura prometida no livro de Tiago é real (Tg 5:16). Neste momento, difícil, onde eu rasguei o coração para minha esposa, onde eu a magoei, a entristeci, mas ao mesmo tempo, tirei um fardo das minhas costas, um fardo que foi posto por mim e que, por isso, Jesus não me ajudava a carregar, eu tinha uma certeza, eu era pastoreado. Se eu permitisse, se eu descesse do meu orgulho, se me humilhasse, eu teria ajuda. Eu precisava da vara e do cajado de Deus, que seriam aplicados em mim pelo meu discipulador, por aquele que o Senhor chamou para me apascentar.

O que é um discipulador? É, antes de tudo, um pai. É um exemplo. Alguém cuja vida deve ser imitada, alguém que busca o Senhor e ensina a buscá-Lo. É um guia espiritual. Não um guru, mas alguém cuja experiência e vida com Deus permitem discernir e orientar os nossos caminhos, alguém que tem comunhão o suficiente com o Senhor para conquistar e exercer com graça a autoridade necessária para que andemos ordenados. Sem que eu fosse apascentado, não sei se teria confessado. Se eu não fosse apascentado, não sei se teria me submetido à disciplina. Se eu não fosse apascentado, provavelmente teria eu mesmo tentado traçar meu trajeto até o Senhor. Sem que eu fosse apascentado, muito provavelmente estaria sentindo o calor que cheira a enxofre, e não este refrigério tremendo que me enche de alegria e gratidão.

Somos ovelhas, e ovelhas necessitam de pastoreio. Não somos ursos, que caçam solitariamente, nem lobos, que se guiam pelos instintos, apesar de andarem em grupos. Somos ovelhas. E ovelhas pedem apascentamento. Ovelhas se dispersam e se perdem sem pastoreio. Davi diz que o Senhor é nosso pastor (Sl 23:1). Verdade! Mas o Senhor delega autoridade a homens para pastorear outros homens para Ele, segundo a vontade Dele. E eu sou imensamente grato a Deus pelo pastor que Ele me concedeu. Para o meu correto ordenamento, para que eu desenvolva melhor o serviço que me for confiado (Ef 4:11-12).

E como se desenvolve este relacionamento? Nos encontros congregacionais? Não. Nestes momentos, onde a congregação se reúne em dezenas ou centenas de pessoas, podemos desfrutar da oportunidade de orar em conjunto, levantar clamores, dar ou receber uma ministração da palavra do Senhor, cantar hinos ou salmos, edificar-nos mutuamente, é certo. Mas estes momentos formais, a, por assim dizer, “agenda”, são informativos. A formação de um discípulo de Jesus, de uma vida cristã, ocorre dentro de um exercício de convivência, de vinculação em amor. Ocorre de casa em casa, caminhando pelas ruas, dentro de um carro, na fila de um banco, no supermercado, sentados em volta de uma casa, compartilhando as refeições. A formação da minha vida tem ocorrido em momentos informais. Como diz o meu discipulador: “nos momentos formais, somos informados; somos formados nos momentos informais”. A vida da Igreja não se resume aos “cultos” (não gosto muito desta expressão, uma vez que culto é toda a minha vida), mas se desenvolve no dia-a-dia, na vida comum do lar, na vida em comum nos lares. Congregar não é apenas reunir. É mais, é andar juntos!

Um dos presentes que recebo diariamente do Senhor é ser cuidado, outro é cuidar. Vínculos sólidos, firmados em Deus, no amor Dele. Relacionamentos fortes, resistentes, amizades verdadeiras, irmandade mesmo. Vidas ligadas, eu me importo e me disponho a servir na vida do meu irmão, e ele na minha. Membros aconjuntados, como manda a doutrina apostólica dada pelo Espírito Santo a Paulo (Ef. 4:15-16 e Cl 2:19). Vínculos verdadeiros, não nominais, são fundamentais na minha vida. Eu não conseguiria caminhar sem irmãos e irmãs. E digo mais, ninguém consegue.

Se eu tenho pastoreio (discipulado), e preciso ser ordenado, a disciplina é conseqüência natural, é parte do processo. E é fruto de amor. Tem a finalidade específica de me colocar no prumo, para que eu possa exercer o meu serviço. A disciplina, ao contrário do que se pode parecer, não é para perdão de pecados, ou cura. Isso ocorre com o arrependimento e a confissão. A disciplina é, sim,para que eu, ferido pelo pecado, perdoado, e curado com a confissão, seja reabilitado para o desempenho do meu serviço. Por isso, quando pecamos e nos arrependemos, devemos sim, desejar a disciplina. E no período em que estivermos sendo tratados, devemos expressar contentamento, gratidão, sacrifícios de louvor. E devemos também, intensificar nosso tempo de oração, de leitura da Palavra, de comunhão com o Senhor. Afinal, foi a falta desta comunhão um dos motivos que propiciou a queda. Eu posso testificar, fiz isso. E tem sido maravilhoso desfrutar da presença real de Jesus durante o meu dia. Como Ele fala comigo nas minhas orações, no meu silêncio, através da Sua Palavra. Pude exercitar, nestes 70 dias, uma comunhão intensa com o meu Senhor, e uma comunhão intensa com os meus irmãos, fortalecendo vínculos, amando e sendo amado, aprendendo a preferir a companhia dos santos a qualquer outro tipo de lazer. Tenho vivenciado de forma prática um verso que diz: “o meu prazer é estar nos átrios do Senhor”. Meu prazer tem sido este: estar na presença de Deus. Falar Dele a todo o tempo, preferir as coisas Dele às do mundo. Esses 70 dias me ensinaram isso, e quero vivenciar isso por mais 70 anos, se Ele permitir, pois sei que vai ser essa a minha eternidade.

Encerra-se o processo disciplinar ao qual eu me submeti, mas eu desejo e vou me empenhar para viver tudo o que aprendi. Volto a exercer o ofício de diácono junto à Igreja, volto a ter participação mais ativa nas comunhões, mas quero e preciso continuar sob o mesmo cuidado, submisso da mesma forma, tanto nas finanças como em todas as áreas da minha vida (Ef 5:21, precisa ser palavra viva na vida de um cristão), exercitando o ouvir, buscando servir com a excelência que Jesus serviu. Confesso que preciso aprender muito. Aprender a amar como a Igreja tem me amado, e andar como Jesus andou (1Jo 2:6).

Queridos leitores, quero finalizar expressando meu louvor ao Senhor, pela revelação do Seu corpo, Sua Igreja, Seu propósito, Sua vida, Seu reino.

A Igreja precisa entender, na sua plenitude, o significado dos vínculos, dos relacionamentos, do exercício da autoridade no meio dos santos, da submissão mútua, do temor de Cristo. A Igreja precisa contemplar a beleza de ser pastoreado, de prestar contas, de ter sobre si zelo e cuidado, e de exercer esse pastoreio, zelar e cuidar das ovelhas que o Senhor nos confiar. A Igreja precisa entender que disciplina e amor são inseparáveis, e precisa desejar ardentemente a ambos.

Virgens disciplinadas não deixam acabar o azeite!
Virgens disciplinadas estão sempre atentas à chegada do Noivo!
E Ele vem. E Ele está cada vez mais perto de vir. É quase meia-noite!

(texto escrito em 25/06/2012)